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Teatro e sociedade: uma abordagem de liberdade

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Teatro e sociedade: uma abordagem de liberdade Empty Teatro e sociedade: uma abordagem de liberdade

Mensagem por Admin Dom Dez 28, 2014 2:27 pm

Olá a todos, abaixo um documento:

Introdução
Liberdade, liberdade (1965) é um texto que traz à baila reflexões acerca de vários períodos da História da humanidade em que houve o cerceamento da liberdade. Com efeito, os autores contemporâneos Millôr Fernandes e Flávio Rangel descortinam as relações humanas, as quais são estabelecidas sob a égide do poder, para constituir um projeto estético calcado no teatro de resistência política. Desse modo, a peça procura, em tom incisivo e com uso de uma linguagem que oscila entre o lírico e o cômico, denunciar um quadro caótico e desintegrado das figuras humanas. Esta pesquisa, embora limitada ao texto, ao discurso e à fábula, e não propriamente ao espetáculo, justifica-se, porque se funda no estudo de problemas universais, figurativizados em uma obra também atual. Constitui-se como uma aventura cognitiva que busca verificar como a matéria observada – a literatura com forma da representação da sociedade - foi aproveitado para a composição de obras literárias, quais recursos do poder criador dos artistas Millôr Fernandes e Flávio Rangel fizeram de elementos circunscritos na História recente do Brasil (período de exceção) transformar-se em matéria-prima para figurativizar vidas humanas, com uma estrutura artística desenvolvida por meio de uma linguagem tecida de imagens e símbolos universalmente conhecidos, uma vez que "O teatro é uma instituição em que o entretenimento se conjuga ao ensinamento, o sossego ao esforço, o passatempo à educação, onde faculdade alguma da alma sofre qualquer tensão em detrimento de outras; e nenhum prazer é desfrutado a expensas do todo." (Schiller, 1991, p. 47). A ficção de Millôr Fernandes e Flávio Rangel não só se evidencia pela ideologia política de que está impregnada, mas deixa patente a função ideológica contida nos discursos das personagens as quais estão configuradas por nomes históricos e não por ficcionais, o que fornece maior grau de densidade, provocando no leitor/espectador um efeito de real. Assim, parece justificada a escolha dos autores, orientada por distintos critérios: o ainda pequeno número de estudos sobre a obra Liberdade, liberdade (1965) no compêndio da crítica da literatura dramática brasileira; o caráter social de sua ficção; a universalidade contida no tema; a dimensão existencial e a força expressiva do discurso de suas personagens.

1. A História em cena
Na tentativa de captar e entender o passado, o ser humano vale-se da linguagem. A linguagem possui, por um lado, regras fixas, pré-estabelecidas e limita as possibilidades do falante e, por outro lado, no entanto, flui sem cessar ao longo do tempo, fazendo com que a experiência de uma geração seja diferente de outra. O homem, por mais objetividade que tenha, “acaba sempre fazendo uma releitura dos fatos que, para serem transmitidos, sofrem uma interpretação de acordo com determinados pontos de vista, dentro de certo espaço e de acordo com a visão do tempo em que vive”. (Esteves, 1998, p. 125) Assim, “a história e a literatura têm algo em comum: ambas são constituídas de material discursivo, permeado pela organização subjetiva da realidade feita por cada falante, o que produz uma infinita proliferação de discursos.” (Idem, 1998, p. 125) Os eventos históricos diferem dos eventos ficcionais nos modos pelos quais se convencionou caracterizar as suas diferenças desde Aristóteles. Os historiadores ocupam-se de eventos que podem ser atribuídos a situações específicas de tempo e espaço, ao passo que os escritores imaginativos (poetas, romancistas e dramaturgos) se ocupam tanto desses tipos de eventos quanto dos imaginados, hipotéticos ou inventados. (White, 1994, p. 137) Para o historiador, a literatura é um documento ou uma fonte, mas o que há para ler nela é a representação que ela comporta, ou seja, “a leitura da literatura pela história não se faz de maneira literal, e o que nela se resgata é a representação do mundo que comporta a forma narrativa.” (Pesavento, 1998, p. 22). Dessa maneira, torna-se imprescindível compreender que:
[...] é a história que articula uma fala autorizada sobre o passado, recriando a memória social através de um processo de seleção e exclusões, onde se joga com as valorações da positividade e do rechaço. Há, pois, um componente manifesto de ficcionalidade no discurso histórico, assim como, da parte da narrativa literária, constata-se o empenho de dar veracidade à ficção literária. Naturalmente, não é intenção de o texto literário provar que os fatos narrados tenham acontecido concretamente, mas a narrativa comporta em si uma explicação do real e traduz uma sensibilidade diante do mundo, recuperada pelo autor. (Idem, 1998, p. 22) Nesse viés, pode-se, atualmente, consultar uma peça teatral escrita em 1965 para analisar a preocupação da população brasileira no início do período ditatorial. O teatro não é apenas um espetáculo que traz divertimento aos seus espectadores, ele também o ensina. Considera-se, aqui, que a fecundidade da criação literária está geralmente relacionada com os momentos históricos mais intensos, uma vez que "a matéria histórica tem servido de inspiração para as mais diversas produções literárias [...]" (Freitas, 1989, p. 110); a radicalização político-ideológica impregna a atividade cultural.


História e repressão brasileira
Entender o processo de criação artística é, antes de tudo, procurar compreender o contexto histórico em que determinada obra foi produzida. Importa salientar que a literatura é, antes de tudo, a representação da realidade observada. Assim, recorrer à História torna-se ferramenta imprescindível para uma visão mais próxima do universo literário. A ditadura militar brasileira foi um governo iniciado em 1964, após um golpe articulado pelas Forças Armadas em 31 de março, contra o governo do presidente João Goulart. “A centralização militar do poder significou a transferência do poder político para o interior das Forças Armadas; o poder ficava, portanto, no aparelho militar do próprio Estado.” (PAES, 2004, p. 58). A partir de 1965, o Ato Institucional 2 “passava a se sobrepor à justiça civil, uma vez que civis acusados de crimes contra a Segurança Nacional deveriam ser julgados por tribunais militares.” (Idem, 2004, p. 59). De 1964 a 1985, o comando das forças armadas (exército, marinha e aeronáutica) controlou as principais instâncias do poder político do Brasil. Os militares no poder tomaram medidas autoritárias que, de um lado, limitaram as várias formas de liberdade dos brasileiros e, de outro, reprimiram as manifestações e as lutas a favor da democracia. (Cotrim, 2002, p. 194). Esse período ditatorial foi marcado pelo despotismo, veto aos direitos estabelecidos pela constituição, opressão policial e militar, encarceramentos e suplício dos oponentes. A censura aos canais de informação e à produção cultural foi intensa, tudo era acompanhado muito de perto pelos censores do governo. (Santana, 2009). A censura é “o exame a que são submetidos os trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou públicos, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ao público em geral”. (Olivieri, 2009). “A censura foi uma das armas de que o regime militar se valeu para calar seus opositores e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgado.” (Idem, 2009) Durante o regime militar, a censura passou por três fases. A primeira ocorreu em 31 de março de 1964 até a publicação do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968. Essa fase teve um momento mais intenso nos meses que sucederam ao golpe, abrandando-se a partir de então. A segunda coincidiu com a publicação do AI-5, que institucionalizou o caráter ditatorial do regime e tornou a censura implacável até o início do governo Geisel, em 1975. A última fase, durante os governos Geisel e Figueiredo, a censura tornou-se gradativamente mais branda até o restabelecimento do regime democrático. (Olivieri, 2009). O golpe militar de 64 deu o ponto de partida para a repressão cultural. As autoridades da ditadura reconheceram, desde cedo, a importância e o poder da imprensa, do cinema, do teatro e da música como os meios de comunicação, de divulgação e de formação cultural. As artes, por seu turno, manifestavam-se criticamente em relação ao regime: nas letras de músicas de compositores como Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, havia sempre um tom de denúncia e insatisfação, mesmo sendo feitas de forma metafórica. No âmbito da dramaturgia, muitas peças não passaram pelo crivo dos censores e vários autores foram acusados de "subversão". Muitos deles foram encaminhados a sessões de tortura para que confessassem envolvimento com a "ala" comunista. Nesse período, surgiu a chamada dramaturgia política ou teatro de resistência, um trabalho forte e instigador, feito por artistas que tinham como princípio a inquietude da contestação: Os anos imediatamente anteriores e posteriores a 1964 enfatizavam a dramaturgia política, ainda mais que a social. Se não era esse todo, nem talvez o melhor teatro, foi sem dúvida aquele em que a comunidade teatral, representada por suas facções mais combativas, melhor se reconheceu. O país dividia-se e ninguém, autores ou público, críticos ou intérpretes, aceitava ficar à margem dos acontecimentos. A idéia de que a arte é sempre engajada, por ação ou omissão, por dizer sim a todas as vezes em que se esquivava a dizer não ao status quo, fornecia o diapasão pelo qual cada um afinava o seu instrumento (Prado, 1988, p.97).
Com efeito, Magaldi (1997, p. 315) assevera que “o florescimento da literatura brasileira tornou-se signo da nossa maturidade artística”, embora o desastroso Golpe Militar de 1964 tenha trazido para o palco a hegemonia da censura, dificultando a sobrevivência do teatro.
Nessa esteira de pensamento, destaca-se que “Com o AI-5 e a censura, os dramaturgos são obrigados a aceitar cortes ou a apelar para expressões metafóricas em seus textos, objetivando liberar as encenações. Muitos são proibidos ou mutilados, conhecendo a experiência do palco somente muitos anos após.” (Enciclopédia Itaú Cultural, 2009). Gianfrancesco Garnieri, Maria Adelaide Amaral, Chico Buarque e Plínio Marcos são alguns dramaturgos que viram suas peças proibidas de exibição e montadas alguns anos depois da censura. Dessa forma, muitos autores deixaram de produzir suas peças, pois não queriam ver seus trabalhos proibidos, mesmo produzindo textos de maior seriedade e sentido. Na década de 1980, quando finalmente a censura havia acabado, “o teatro brasileiro estava arrasado, porque as polêmicas entre grupos de linhas conflitantes, e principalmente os anos da censura, haviam diminuído radicalmente o público, que não estava mais habituado ao teatro.” (Heliodora, 2008, p. 177). A censura havia sido de tal modo opaca em suas posições, que vários textos “finalmente liberados pela censura” fracassaram por falta de qualidade, deixando clara a estupidez das proibições. O resultado de tudo isso é que o teatro se viu praticamente voltado à estaca zero, em matéria de textos nacionais. (Idem, 2008, p. 177). Importa acrescentar que o teatro era controlado a vários níveis, que incluíam a análise dos textos das respectivas peças e a vigilância dos ensaios e das representações no palco. O problema da censura sempre agitou com frequência a imprensa e os meios teatrais. “Através da censura, o Estado exerce o poder policial sobre os divertimentos públicos, e pode limitar a audiência aos maiores de certa idade e até proibir a apresentação de um espetáculo.” (Magaldi, 2008, p. 82). Assim, pode-se compreender que: [...] a magia do espetáculo e do teatro está a serviço de um instrumento de análise e interpretação da realidade social. [...] O teatro procura erguer sua voz dentro da sociedade brasileira. [...] Provocar o debate de ideias, a revolta dos sentimentos, a desconfiança pelo que nos é apresentado, a cada instante, como “normal”, “certo” e “eterno”, espalhar pontos de interrogação, já é uma postura crítica embrionária, que cabe ao teatro desempenhar e assumir em sua integridade. (Freitas; Ramos, 2002, p. 9). A realidade instalada no Brasil a partir do golpe de 64 dá um novo rumo ao teatro do dramaturgo carioca Millôr Fernandes. O artista, defensor do livre arbítrio, tornou-se desde o início o questionador do esquema repressor que dominava o país. O primeiro fruto dessa atitude é a obra Liberdade, liberdade, escrita em 1965 com Flávio Rangel. A peça reúne textos de diferentes estilos e épocas da literatura universal dedicados ao tema da liberdade, além de diversos musicais. A obra lançou no Brasil a ideia de um espetáculo teatral baseado na escolha de textos históricos importantes. Para demonstrar a insatisfação do atual governo, o grupo paulista “Teatro de Arena” e o carioca “Opinião”, que já exploravam o gênero chamado “teatro de protesto”, acabaram produzindo esse espetáculo considerado a obra pioneira do teatro de resistência no Brasil. Em abril de 1965, mais precisamente no dia 21, dia de Tiradentes (o Mártir da Independência) estreava no Rio de Janeiro a peça Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel. (Bueno, 2009) O teatro de resistência “qualifica um movimento teatral e um conjunto de dramaturgos que se colocam contra o regime militar de 64”. (Enciclopédia Itaú Cultural, 2009). A peça pode ser classificada como o teatro de resistência política, pois procura conscientizar e estimular o público para a postura mais ativa contra as injustiças e a violação dos direitos humanos. Foi nesse contexto que os autores Millôr Fernandes e Flávio Rangel fizeram de Liberdade, liberdade (1965) um marco na dramaturgia nacional, fornecendo verbos e tintas para que a peça eclodisse como mimeses do momento turbulento em que a sociedade brasileira vivia em decorrência da forte repressão política. Embora soubessem que o teatro, isoladamente, é impotente para provocar modificações ou despertar resultados sócio-políticos marcantes – já que é incapaz de agir diretamente sobre os homens, os quais são os verdadeiros agentes da construção da vida social –, os dramaturgos pareciam estar convictos de que, no palco, ou em qualquer outro espaço de representação, a arte dramática estabelece, em nível de razão e emoção, uma reflexão e um diálogo vivo e revelador com a “plateia”, ou seja, qual for o espaço dos espectadores. (Peixoto, 1984, p. 12-3)Segundo assevera Alain Badiou (apud Ryngaert, 1998, p. 42-3), “a politização do teatro é um fenômeno inevitável”, pois o texto teatral está “necessariamente exposto à política” (destaque do autor), articulando proposições “que só são completamente claras do ponto de vista da política, instaurando conflitos, inscrevendo a discórdia”. A representação do político ocorre, nos textos, na “cena” das forças políticas construída pelo discurso: é “a cena onde os elementos que perpassam a sociedade são vistos como ‘forças’ e vistos como ‘forças políticas’”, as quais se destacam em processos de circulação discursiva (Corten, 1999, p. 37).

2. Teatro: breve conceito
A palavra teatro abrange ao menos duas acepções: “o imóvel em que se realizam espetáculos e uma arte específica, transmitida ao público por intermédio do ator.” (Magaldi, 2008, p. 7). Para Pavis (2007, p. 372), o teatro “é o local de onde o público olha uma ação que lhe é apresentada num outro lugar.O teatro é mesmo, na verdade, um ponto de vista sobre um acontecimento: um olhar, um ângulo de visão e raios ópticos o constitui. Tão somente pelo deslocamento da relação entre olhar e objeto olhado é que ocorre a construção onde tem lugar a representação. (Idem, 2007, p. 372).A dramaturgia (do grego dramaturgia, compor um drama), de acordo com Littré, é a arte da composição de peças de teatro. “A dramaturgia, no seu sentido mais genérico, é a técnica (ou a poética) da arte dramática, que procura estabelecer os princípios de construção da obra [...]” (Ibidem, 2007, p. 113). A dramaturgia “seria a arte de compor dramas, peças teatrais.” A arte seria, naturalmente, uma técnica, pois técné = arte. (Pallottini, 2006, p. 13).As primeiras apresentações teatrais aconteceram na Grécia antiga, por meio dos festivais anuais em homenagem ao Deus Dionísio. Nessas ocasiões eram feitas representações de tragédias e comédias. No início da antiguidade, as mulheres eram excluídas de todos os papéis. As apresentações eram feitas na cidade de Atenas, em um grande círculo, as chamadas “arenas”. Com o crescimento do público, o teatro se profissionalizou e surgiram os primeiros palcos elevados e os próprios escritores cuidavam de toda a produção. Importa destacar que o teatro apresenta uma função questionadora acerca da realidade, seja formulando problemas e tratando de resolvê-los; seja utilizando o pensamento lógico, a criatividade, a intuição e a capacidade de análise crítica. Além disso, a arte dramática fornece subsídios que favorecem os procedimentos que perpassam a verve humana. Enfim, o drama tem como ponta de lança a compreensão de forma ampla e consistente do processo educativo, considerando as características das diferentes realidades e níveis de especialidades em que se processam. Com efeito, o texto dramático é construído, sobretudo, por dois níveis. O primeiro é constituído pelas falas dos personagens; o outro, pelas rubricas ou didascálias (informações sobre a movimentação da cena redigida, do clímax, do estado do personagem e seu caráter). Portanto, estas diferenças e peculiaridades têm que ser mostradas ao leitor, para que este possa entender a história e fazer esta transcodificação “vendo” a cena em seu imaginário, sem necessidade de um palco real, pois um palco imaginário, com movimentação, cenário, figurinos vai se formando como um quadro, fornecendo ao texto elementos que lhe possibilitem visualizar “ver” a história. O teatro é a arte de interpretar histórias com o intuito de mostrar determinadas situações e despertar sentimentos no público; enquanto arte, gênero dramático, assume sua parte literária. Com efeito, pode-se entender que teatralidade “é o teatro menos o texto, é uma espessura de signos e de sensações que se edifica em cena a partir do argumento escrito”. (Pavis, 2007, p. 372).

3. Liberdade, liberdade: a fábula
A peça Liberdade, liberdade teve direção de Flávio Rangel e os papéis foram representados por Paulo Autran, Nara Leão, Oduvaldo Vianna Filho e participação especial de Tereza Rachel. Os atores interpretaram 56 personagens e se revezavam na interpretação de textos de Voltaire, Abraão Lincoln, Benito Mussolini, Danton, Barry Goldwater, Napoleão Bonaparte, Osório Duque Estrada, Aristóteles, Moisés, Luís XIV, Frederico Garcia Lorca, Adolf Hitler, Anne Frank, John Kennedy, Bernard Shaw, Tiradentes, Winston Churchill, Willian Shakespeare, Júlio César, Jesus Cristo, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, entre outros. Também cantaram 30 canções ligadas ao assunto de liberdade.
O texto procura exibir um resumo de acontecimentos históricos. Os atores/personagens também citam frases que foram ditas por pessoas que se destacaram na História e por algumas que perderam a vida em busca da liberdade de pensamento. Voltaire (1694-1778) foi um poeta, ensaísta, dramaturgo, filósofo e historiador iluminista francês. Defendia a liberdade de ser e pensar diferente. Uma de suas frases conhecida está citada na peça Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel:
VIANNA
Voltaire: Não concordo com uma só palavra do que dizeis, mas defenderei até a morte vosso direito de dizê-las! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 24).

John Fitzgerald Kennedy (1917-1963) foi presidente dos Estados Unidos da América. Kennedy representava uma nova era de esperança, paz e prosperidade para os americanos. A sua morte provocou comoção dentro e fora dos Estados Unidos. Uma de suas frases também está citada na obra de Fernandes e Rangel:
PAULO
John Fitzgerald Kennedy: Não pergunteis o que o país pode fazer por vós, mas sim o que podeis fazer pelo país! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 25).

Joaquim José da Silva Xavier (1746-1789), o Tiradentes, participou do movimento da Inconfidência Mineira influenciado pelas novas ideias políticas e filosóficas recém-chegadas da Europa. Foi traído por Joaquim Silvério dos Reis e preso no Rio de Janeiro. Tiradentes assumiu a responsabilidade da conspiração, inocentando os outros co-réus. Em 18 de abril de 1789 ouviu sua sentença de morte. Antes de ser enforcado, disse a seguinte frase também citada na obra:
VIANNA
Tiradentes: Cumpri minha palavra: Morro pela liberdade! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 25).

Annelisse Maria Frank, mais conhecida como Anne Frank (1929-1945) foi uma adolescente judia obrigada a viver escondida dos nazistas durante o Holocausto. A história de Anne ficou conhecida depois de ter descoberto o seu diário, que escrevia o que sentia, pensava e fazia. Anne e sua família foram denunciadas aos nazistas e deportadas para os campos de concentração. O único sobrevivente foi o seu pai. O diário está atualmente traduzido em 68 línguas e é um dos livros mais lidos no mundo. Anne Frank, apesar do horror que presenciou, ainda acreditava que o poder cruel poderia acabar, conforme citação presente na obra:
TEREZA
Anne Frank, menina judia assassinada pelos nazistas: Apesar de tudo eu ainda creio na bondade humana! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 25).

Importa mencionar que o Artigo 141 da Constituição Brasileira de 1946 também está presente na obra:
VIANNA
Artigo 141 da Constituição Brasileira: É livre a manifestação de pensamento! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 26).

A peça Liberdade, liberdade não se resume tão somente em citações de pessoas que queriam o fim das guerras e dos abusos de poderes. A obra também referência a déspotas que conduziam seu governo com mão de ferro.
Adolf Hitler (1889-1945) foi um ditador austríaco que esteve à frente da Alemanha nazista. Durante o seu poder, o campo de concentração e extermínio de Auschwitz-Birkenau, em Oswiecim (sul da Polônia) exterminou cerca de 1,5 milhões de pessoas, em sua maioria judia, por câmaras de gás, de fome ou por doenças. Para registrar o seu poder, Hitler disse a seguinte frase, também citada na obra:
VIANNA
Adolf Hitler: Instalaremos Tribunais Nazistas e cabeças rolarão! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 25).

Napoleão Bonaparte (1769-1821), por ter saído vitorioso em diversas batalhas, ficou conhecido pela sua coragem e determinação. Porém, com o total poder nas mãos, formulou uma nova forma de governo e novas leis. Sua estratégia era fazer que os seus soldados se considerassem invencíveis:
VIANNA
Napoleão Bonaparte: A França precisa mais de mim do que eu da França! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 24).

Benito Amilcare Andrea Mussolini (1883-1945) foi político italiano criador do fascismo. “Crer, obedecer e combater” era um dos lemas da educação fascista:
VIANA
Benito Mussolini: Acabamos de enterrar o cadáver pútrido da liberdade! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 24).

Barry Goldwater (1909-1998) foi senador de Arizona, candidato a presidente na eleição americana de 1964 e Major-General da Força Aérea. Era conhecido como “Senhor Conservador”:
PAULO
Barry Goldwater: A questão do Vietnã pode ser resolvida com uma bomba atômica! (Fernandes; Rangel, 2006, p. 24).

A peça também é temperada com humor, como a cena em que o ator/personagem Paulo Autran explica o significado da palavra “liberdade”:
PAULO
Mas afinal, o que é a liberdade?
Apesar de tudo o que já se disse e de tudo o que dissemos sobre a liberdade, muitos dos senhores ainda estão naturalmente convencidos que a liberdade não existe, que é uma figura mitológica criada pela pura imaginação do homem. Mas eu lhes garanto que a liberdade existe. Não só existe, como é feita de concreto e cobre e tem cem metros de altura. A liberdade foi doada aos americanos pelos franceses em 1866 porque naquela época os franceses estavam cheios de liberdades e os americanos não tinham nenhuma. Recebendo a liberdade dos franceses, os americanos a colocaram na ilha de Bedloe, na entrada do porto de Nova York. Esta é a verdade indiscutível. Até agora a liberdade não penetrou no território americano. [...] A confecção da monumental efígie custou à França trezentos mil dólares. Quando a liberdade chegou aos Estados Unidos, foi-lhe feito um pedestal que, sendo americano, custou muito mais do que o principal: quatrocentos e cinquenta mil dólares [...] Como acabamos de demonstrar, o preço da liberdade é de setecentos e cinquenta mil dólares. Isso há quase um século atrás. Porque atualmente o Fundo Monetário Internacional calcula o preço da nossa liberdade em três portos e dezessete jazidas de minerais estratégicos. (Foge.) (Fernandes; Rangel, 2006, p. 52-53).

A peça também utiliza o humor para demonstrar o modo como um general fascista resolve muitos assuntos fora de sua competência profissional (New York Times, 2006, p.11):
VIANNA
Tudo servia para a propaganda. Um filme de Groucho Marx teve uma de suas cenas adaptadas. Dizia-se que um general fascista defrontava-se com uma dificuldade militar:

PAULO
Este é um problema que qualquer criança de três anos é capaz de resolver. Eu... humm... tragam-me uma criança de três anos. (Fernandes; Rangel, 2006, p. 73).

Nesse trecho, Fernandes e Rangel utilizam o humor para contar outro embaraço que, supostamente, ocorreu com um general republicano:
CORO
Olé, olé, olé...
VIANNA
Esse mesmo espírito continuava em 1936.

TEREZA
Conta-se que um general republicano, inteiramente cercado, gritava para seus soldados:

VIANNA
Companheiros! Estamos cercados! Não vamos deixar o inimigo escapar!


(Ouve-se, em gravação, a voz do general Franco, dizendo: “Los hombres más heroicos del mundo, los hombres más grandes de Europa, son los hijos de España.”3 ) (Fernandes; Rangel, 2006, p. 71).
Outro texto histórico citado na peça é uma cena do dramaturgo Bertolt Brecht sobre a Alemanha Nazista:
(Foco de luz sobre Vianna. No fundo, a gravação de Deutschland uber alles.)

VIANNA
Adolf Hitler: na sua irresistível ascensão, o Partido Nazista empolgou toda a Alemanha. Em 1933, Adolf Hitler tomou o poder. Os que não se submetiam à Nova Ordem eram presos, torturados ou tinham que se exilar. Entre os exilados, o dramaturgo Bertolt Brecht. Assim via ele a vida na Alemanha, em uma das cenas de sua peça Terror e Miséria do III Reich.

(Luz geral na cena. Tereza entra e encontra Paulo.)

TEREZA
Onde está Klaus? Klaus! Onde é que se meteu esse menino?

PAULO
Por que você está tão nervosa? Só porque o menino saiu?

TEREZA
Eu não estou nervosa. Você é que está nervoso. Anda tão descontrolado...

PAULO
Estou o que sempre fui, mas o que tem isso a ver com a saída do menino?

TEREZA
Você sabe como são as crianças. Ficam ouvindo tudo.

PAULO
E daí. Que é que tem?

TEREZA
Que é que tem? E se ele contar? Você sabe que na Juventude Hitlerista eles têm que contar tudo. O estranho é que ele saiu de mansinho.

PAULO
Ora, que bobagem!

TEREZA
O que é que ele teria ouvido da nossa conversa?

PAULO
Ele não dirá nada. Ele sabe o que acontece aos que são denunciados.

TEREZA
E que é que tem isso? O filho do vizinho não delatou o próprio pai? Ele ainda não saiu do campo de concentração [...]

(Um toque de telefone. Eles se abraçam, aterrorizados, e ficam olhando para o ponto de onde veio o som. Dois toques; três. Tereza faz um movimento.)

TEREZA
Atendo?

PAULO
Não sei. Espere. [...] (Fernandes; Rangel, 2006, p. 95-99).
No final do espetáculo, o ator Paulo Autran cita as últimas palavras em vida de algumas pessoas célebres:
PAULO
A última palavra é a palavra do poeta; a última palavra é a que fica.

A última palavra de Hamlet:
“O resto é silêncio.” 4

A última palavra de Júlio César:
“Até tu, Brutus?” 5

A última palavra de Jesus Cristo:
“Meu pai, meu pai,
por que me abandonaste?” 6

A última palavra de Goethe:
“Mais luz!” 7

A última palavra de Booth, assassino de Lincoln:
“Inútil, Inútil....” 8

A última palavra de Prometeu:
“Resisto!”

Escurecimento

(E juntamente com aquilo que a extrema presunção dos autores espera seja uma entusiasmada, delirante, ensurdecedora ovação, o coro canta os versos de Liberdade, Liberdade) (Fernandes; Rangel, 2006, p. 122-123).

A crítica
Nesse segmento, cumpre destacar que “A audiência de trezentas pessoas, que tinha pago o equivalente a um dólar e vinte e cinco centavos por pessoa para sentar amontoada, levantou-se e aplaudiu vibramente. Alguns gritavam ‘Bravos!’ ” (New York Times, 2006, p. 10).
A peça foi encenada em todo o território brasileiro. Ela foi marcada pelo entusiasmo dos jovens universitários, pela repressão de autoridades locais e pelo medo e desconfiança do grande público. A repercussão nacional e internacional foi imediata. Yan Michalski, do Jornal do Brasil, dedicou quase metade de sua crítica sobre a interpretação de Paulo Autran:A versatilidade demonstrada por Paulo Autran é impressionante: em duas horas de espetáculo ele esboça umas dez ou quinze composições diferentes, sempre adequadas e inteligentes, sempre livres de quaisquer recursos de gosto fácil. (Bueno, 2009).No Rio Grande do Sul, no município de Pelotas, um jornalista foi proibido de trabalhar no jornal local devido a sua publicação favorável a peça. No dia seguinte, o jornal escreveu um editoral com o título de Palhaçada, palhaçada. (Wikipedia, 2009).A crítica que causou maior polêmica foi a do jornal New York Times, de 25 de abril de 1965:Essas produções refletem o amplo sentimento existente entre os jovens intelectuais brasileiros de que o regime do presidente Humberto Castelo Branco, com sua forte posição anticomunista, é hostil à liberdade cultural e intolerante quanto a críticas de esquerda no que se refere às condições econômicas e sociais do País. (New York Times, 2006, p. 9).O crítico teatral Décio de Almeida Prado lembrou na época que “ninguém clama por liberdade se não se sente ameaçado de perdê-la”. (Enciclopédia Itaú Cultural, 2009) O crítico não estava enganado, tanto que a peça foi proibida pela censura poucos meses depois de sua estreia. O presidente Humberto Castelo Branco, em nota de 02 de junho de 1965, afirmava que as ameaças da peça são de aterrorizar a liberdade de opinião, então, em 1966, a Censura Federal proibia a apresentação de Liberdade, liberdade em todo o território nacional. (Wikipédia, 2009).

Considerações Finais
No final do século XX, o teatro brasileiro voltou a brilhar. A atividade teatral de São Paulo passou ser a mais rica e intensa do que a do Rio de Janeiro. Porém, não quer dizer que o Rio de Janeiro tenha perdido toda a sua força cultural. Atualmente, os palcos paulistas são caracterizados por uma vasta gama de experiências e, também, por grandes montagens que o Rio não possui condições para realizar. “Nos últimos anos, é para São Paulo que têm vindo os clones de megamusicais anglo-americanos, com grande sucesso.” (Heliodora, 2008, p. 178-179).
A peça Liberdade, liberdade também retornou aos palcos com o fim da censura. Em 2005, quarenta anos após sua primeira apresentação, o espetáculo ganha nova montagem para iniciar o projeto “Teatro nas Universidades”. Após estrear no Teatro da Fundação Getúlio Vargas, com iniciativa dos atores Paulo Goulart e Nicete Bruno, Liberdade, liberdade fez uma temporada de quarenta apresentações, em diversas universidades da capital e da grande São Paulo.Com a obra, Millôr Fernandes e Flávio Rangel mantêm-se fieis aos seus princípios de criação e, pondo na boca de suas personagens diálogos polêmicos e provocativos, marcados até pelo enfrentamento psicológico, incursionam por um teatro político-social, empenhado na transformação da sociedade e não na fabricação de ilusões.

FONTE: w3.ufsm.br

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